Eros e seus problemas na diáspora sefardita ocidental do século 17 – o caso da comunidade judaica portuguesa de Amesterdão

(Este título foi decalcado e este escrevinhado inspirado no artigo do professor Yosef Kaplan, Eros y sus sinsabores en la diáspora sefardí occidental del siglo 17, incluído no livro Judeus e Cristão Novos no Mundo Lusófono.)

Bairro Judeu - Amsterdam

Para início de conversa dizer que, como todos sabemos, durante o século XVII muitos cristãos-novos abandonaram Portugal e, formaram comunidades por toda a Europa a que davam o nome de Nação Portuguesa. Estas comunidades de cariz mercantil assumiram em Amesterdão, Hamburgo ou Londres uma identidade religiosa judaica. São muito referidos os contributos culturais, religiosos e científicos dos judeus portugueses relacionados com essas comunidades, que cresceram e engradeceram os países em que se fixaram.

Consta que a primeira comunidade de Amesterdão, Beth Yaakob (Casa de Jacob), foi fundada por Jacob Tirado, Samuel Palache e Jacob Israel Belmonte ainda no século XVI (setembro de 1597). Passou a funcionar de forma autorizada pelas autoridades em 1603, desde que a discrição fosse mantida pois toda a prática religiosa que não fosse a Calvinista estava vedada.

Em 1608 formou-se uma segunda congregação, Neveh Shalom (Morada de Paz). Uma terceira a Beth Israel (Casa de Israel) surge em 1618 em consequência de uma divisão na Beth Yaakob.

Em 1614, Jacob Israel Belmonte, Jacob Franco, David Senior, Rehuel Jesserun e Joseph Israel Pereyra negociaram a compra de um terreno para o cemitério em Ouderkerk, que passaria a servir todas as congregações.

Estas três congregações unificaram-se em 1639 dando origem a formação da comunidade Talmud Torah.

Durante séculos, Amsterdão foi o centro do mundo Sefardita, produzindo muitos rabinos, cientistas, filósofos, artistas, mercadores e banqueiros, que deram uma enorme contribuição para a prosperidade da Holanda a partir da Idade de Ouro.

O professor Yosef Kaplan, no referido artigo Eros y sus sinsabores en la diáspora sefardí occidental del siglo 17, aborda outros aspetos, menos conhecidos, da vida comunidade judaica portuguesa de Amesterdão de que normalmente não se fala, que contribuíram para a existência de uma visão muito particular dos seus membros, quando observados pelos olhos da sociedade hospedeira e dos seus visitantes. Digamos que mais uma vez se distinguiram…

Este surpreendente e divertido artigo lê-se quase como se fosse um romance, uma novela de costumes, recheada de escândalos sexuais e conjugais, enquanto nos esclarece quanto à real posição legal dos membros da Nação Portuguesa nessa geografia.

O facto de estar escrito em espanhol também contribui para “o mucho salero” do artigo, mas isso só não basta: o que se conta tem mesmo muita graça.

O autor explica que, tanto em Espanha como em Portugal, os cristãos-novos faziam parte de uma cultura em que a arte da dissimulação teve um papel importante, serviria para se protegerem a si próprios e às suas famílias, conseguindo desta forma disfarçar a sua verdadeira identidade religiosa. E será essa habilidade de fingimento que em Amsterdão colocam em prática na vida privada, dispondo desse talento para outras funções já não tao heroicas e dignificantes. No entanto, e apesar desse dom apurado, lá se foram deixando apanhar num adultério aqui ou num relacionamento interdito acolá. Ou seja, a par de uma vida de casado aparentemente respeitável, alguns judeus portugueses tinham relações extraconjugais, enquanto os solteiros não resistiam a relações interditas. Alguns destes casos chegavam às autoridades judiciais da época, dando origem a processos em tribunal fascinantes de tão reveladores que eram dos costumes de alguns. E assim se consegue comprovar a existência de padrões morais duplos, adotados por alguns chefes de família sefarditas, incluindo membros da elite social da comunidade.

Estes processos e histórias que deveriam correr de boca-em-boca na Amsterdão daquele tempo, contribuíram para que se criasse um estereótipo de que os judeus portugueses seriam muito vorazes e muito atraídos às mulheres locais. Poder-se-ia dizer até que o apetite sexual dos portugueses se tornou lendário nessas paragens graças aos judeus portugueses. Mais um motivo de orgulho…

O autor faz mesmo referência a um turista inglês, que terá escrito cerca de 1634, sobre a comunidade o seguinte: ” their men are most black, full of hair, and insatiably given unto women;”. O que eu ri a ler isto! Impagável.

Pobre Menassh ben Israel, bem podia pregar a vontade. Tinha contra si a natureza humana e a demografia. Existiam muitos mais homens do que mulheres na comunidade, o que fazia com que o casamento fosse muito mais tardio do que a doutrina aconselharia (ver “Thesouro dos dinim” sobre a idade recomendada para o matrimónio).

Por estes dois motivos, e apesar das proibições de relacionamento com as cristãs, até mesmo com as prostitutas no caso da cidade de Amsterdão, estes portugueses judeus acabavam nos braços das suas empregadas domésticas e, ou prostitutas, apesar do interdito e do risco de expulsão inerente.

Será que a fama desta “tara” ainda perdura em Amsterdão, a par do reconhecimento dos contributos culturais, científicos ou religiosos que subsiste até aos nossos dias?

Explorar este assunto vale seguramente uma visita…

 

Mais coisas aqui:

Judeus e Cristão Novos no Mundo Lusófono (organização Marina Pignatelli).

Dicionário do Judaísmo Português (coordenação de Lúcia Liba Mucznik)

Dicionário histórico dos sefarditas portugueses: mercadores e gente de trato - https://esefarad.com/wp-content/uploads/2010/12/capa_dicionario.jpg

Para alguma controvérsia com datas e outras coisas: https://www.esnoga.com/en/history-of-the-community/

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