Escravos na Madeira

Imagem: Sé do Funchal em 1900. Concluída em 1514. Testemunha de tantos e tantos casamentos e baptizados...


Refere Frutuoso que existiam no Funchal, de acordo com os róis de confessados, 2700 escravos em 1552. Se pensarmos que a Madeira nessa época teria cerca de 20 000 habitantes só podemos concluir que o número de escravos seria considerável. Na prática estamos a afirmar que cerca de 15% da população do arquipélago estaria nessa condição.

Diz-se que é aos escravos que se deve o desenvolvimento dos engenhos do açúcar. É o mesmo Gaspar Frutuoso que afirma que por volta de 1520 no Faial existiam dois engenhos de açúcar, um deles pertença de António Manuel das Covas, meu antepassado judeu, de quem já tive ocasião de falar. No entanto não existe qualquer registo nos paroquiais de casamentos de escravos ocorridos no Faial. Aliás na parte norte da ilha são poucos os casos de registos paroquias referentes a escravos. Por exemplo em Porto da Cruz aparecem quatro casamentos e em Santana apenas dois. O facto de os engenhos de açúcar terem entrado em rápido declínio com o açúcar do Brasil aliado ao rápido desenvolvimento da capitania do Funchal talvez seja uma explicação para a ausência de população escrava que se concentrava maioritariamente no Funchal, Ponta do Sol, Machico e Curral das Freiras. Este último, o Curral das Freiras, devido ao seu difícil acesso foi povoado nos primeiros tempos por criminosos e escravos foragidos. Tudo isto explica porque não tenho, até à data, ascendência escrava com origem na Madeira uma vez que o meu ramo madeirense é essencialmente constituído por pessoas que habitavam a parte norte da ilha. De qualquer forma o escravo madeirense era maioritariamente utilizado no serviço doméstico como testemunham os paroquiais onde 60% dos casamentos escravos se realizaram na Sé

O Arquivo Regional da Madeira inventariou 593 casamentos de escravos. Destes 593 casamentos de escravos, 347 eram entre dois indivíduos na mesma condição. Os restantes seriam casamentos mistos entre escravos forros ou libertos e escravos ou ainda entre escravos ou ex-escravos e não escravos.

Nem todos os escravos seriam de origem africana. Estão registados casamentos de escravos mouriscos, índios e claro africanos. No que diz respeito aos africanos é ainda feita uma distinção no que diz respeito ao tom da pele: preto, baço, pardo ou mulato. São no entanto os africanos que predominam.

Têm também diferentes origens: Angola, Costa da Mina, Congo, Guiné Bissau, Barbados, Cabo Verde, Jamaica, Martinica, Carolina, Nova York, São Tomé, Inglaterra, Granada, Évora, ou Belmudes.

Foi em 1539, na Sé, o primeiro casamento de que há registo no arquipélago entre escravos. Neste caso casou-se Sebastião, mourisco com Francisca Gonçalves, escrava mourisca forra. O último ficou registado em S. Pedro (freguesia do Funchal) entre Luís José da Costa, escravo preto e Maria Rosa, escrava preta em 1830. Poucos seriam, no entanto, os casamentos registados porque o facto de dois escravos estarem casados diminuía o poder do dono que já não os poderia, por exemplo, vender por separado. Por outro lado a igreja fomentava estes registos e casamentos para terminar com a licenciosidade que imperava entre os donos e as escravas...
E por falar em licenciosidade, se havia tantos escravos e escravas, porque é que os traços negróides são tão pouco evidentes na população da Madeira? Como foi possível esta tão grande diluição? A resposta está na taxa de natalidade das escravas. Ao contrario do que se poderia pensar a taxa de natalidade das escravas era muito baixa quando comparada com a taxa de natalidade das mulheres livres brancas, as negras tinham em média apenas um filho, as brancas pelo menos três.
Enfim...histórias a preto e branco.

Comentários

Isabel Victor disse…
Gostei muito de ler. Gostei do blog

Grata pela partilha

vou criar um elo para esta janela.
Estava no Funchal, por eazões profissionais. Fui fazwer um seminário sobre Museologia. Decorreu na 6Fª no Museu Rodrigo de Freitas, estava um dia magnifico. Sereno ...

A madrugada do dia seguinte mudou tudo !Fiquei no Hotel da Sé, a vinte metros, na antiga Rua dos Ferreiros via a ribeira em fúria, roncava como um animal enfurecido.

Imagens q jamais esquecerei ...

Um imenso abraço


iv
Joshua disse…
Obrigada, Isabel.
Volte sempre.
Um abraço.
larcas disse…
Muito interessante e esclarecedor. Gostaria de saber, porém porque Cabo Verde e Madeira tem concelhos e cidades com nomes semelhantes.

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