Pesquisar em Cabo Verde - Parte II

Como tinha escrito aqui estava à espera de alguns microfilmes de paroquiais de Cabo Verde para prosseguir uma investigação pendente.

Neste momento centro a minha busca em duas ilhas: Santo Antão e Fogo. A pesquisa que havia iniciado em São Nicolau não teve seguimento porque a maior parte dos assentos desta ilha para o século XX ainda não estão disponíveis no Porton di nos ilha o que torna o início quase impossível.

Quanto ao Sal, apesar de estar muita coisa disponível do século XX, não consegui prosseguir também.

À primeira vista, e assim que coloquei o primeiro rolo na máquina, a única coisa que diferenciava estes registos de outros que já tinha visto do Brasil ou de Portugal seria o facto de os microfilmes começarem com a imagem que publico acima.

Estavam em português e o estudo rápido dos nomes próprios ou de família tudo indicava que se trataria de mais um normalíssimo inventário de nascimentos, casamentos e óbitos.

No entanto rapidamente descobri que existiam algumas outras características não muito comuns nos registos do século XIX que tenho consultado.

Primeiro a iligitimidade com valores muito superiores aos 50%. A iligitimidade na Madeira para a mesma série cronológica é praticamente inexistente sendo bastante mais elevada no Alentejo mas nunca atingindo estes valores de Cabo Verde. É toda uma estrutura social particular que salta à vista neste arquipélago.

Por outro lado, apesar de serem, alguns, assentos do segundo quartel do século XIX ,em todos os registos de baptismo que consultei os registandos e os pais tinham aposto ao nome a menção de que são livres. Ora se estes livros registam os livres onde estarão os assentos dos escravos? Em livros próprios? E onde estão esses livros? Eles existem por exemplo para a mesma época no Brasil em separado, mas existem.

No século XIX, em 1836, o tráfico de escravos foi abolido em todo o império. Os primeiros escravos a serem libertados foram os do Estado, por decreto de 1854 e mais tarde os das igrejas por decreto de 1856.

Eu sei que a escravatura só foi abolida em todo o Império Português em 1869 embora o seu termo definitivo seja em 1878 mas em todos os registos que consultei tanto da Madeira como do Alentejo só muito raramente surgia a menção de que fulana ou fulano de tal seriam escravos. Como é o caso deste meu antepassado escravo.

Em Cabo Verde todos os escravos do arquipélago foram declarados livres em 1874 e então para quê esta menção constante que se arrasta até ao final do século XIX?

Dificuldade acrescida, a descontinuidade das séries temporais. Faltam anos. Faltam livros. Faltam folhas de livros. Não há séries completas. Há livros em mau estado. E não há nada, tanto quanto pude apurar, anterior ao século XIX excepto para a paróquia de Nossa senhora da Conceição no Fogo que tem um livro de assentos que começa em 1787.

De qualquer forma o que existe e que está microfilmado pelos Mormons pode ser consultado em qualquer parte do mundo e é material suficiente para fazer um estudo no âmbito da Demografia Histórica. Qualquer coisa com um título deste género "Crises de Mortalidade em Cabo Verde - o caso do século XIX" ou "Vida e Morte nas Ilhas Caboverdianas do século XIX" ou ainda fazer um pequeno estudo comparativo entre os nomes próprios escolhidos nas freguesias rurais e nas urbanas, ou entre ilhas ou ainda um estudo comparativo entre o Arquipélago da Madeira e o de Cabo Verde para o mesmo período. Tudo coisas que já fiz para outros espaços geográficos mas que me continuam a dar prazer.
Enfim...um mar de ideia quentes que ficam em banho-maria.

Entretanto e para quem gosta destas coisas há um romance da Maria Isabel Barreno intitulado Vozes do Vento em que é contada a saga familiar de um grupo de pessoas que viveram em Cabo Verde no século XIX. É um retrato interessante e despretensioso mas que revela uma investigação histórica considerável por detrás. É um livro a ler por quem se interesse por este arquipélago e pela busca da identidade deste povo.

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