Manuel Nunes, escravo de António Miranda

A escravatura foi abolida em "Todo o Império Português" a 25/02/1869 e assim é comum até esta data encontrar nos livros paroquiais assentos de baptismo, casamento e óbito de escravos. Ao contrário do que se passou no Brasil não existiam em Portugal livros de assentos separados para livres e para escravos. Apesar de já ter encontrado nos livros paroquiais registos de escravos só encontrei até hoje um único antepassado meu que é referido como estando na condição de escravo.

Algumas obras das poucas existentes sobre a condição dos escravos em Portugal fazem referência ao facto de cerca de 10% da população portuguesa entre os séculos XVI e XVIII estar nesta condição. Em especial na zona de Lisboa onde os escravos eram empregues no serviço doméstico e no Alentejo onde substituíram os jornaleiros livres que embarcavam na aventura da navegação. Para os mais curiosos sugiro a leitura do livro de José Ramos Tinhorão "Os negros em Portugal" ou então "Escravos no sul de Portugal" de Jorge Fonseca. Jorge Fonseca, que faz um estudo da escravatura na área de Évora entre XVI e XVII, afirma que a população escrava rondaria os 6% com tendência a descer e com elevado número de mulatos e pardos. A acreditar nestes números porque é que apenas encontrei um antepassado escravo. Onde estão os outros?

Manuel Nunes nasceu em 1701 e foi baptizado no dia 21 de Dezembro do mesmo ano em São Francisco da Serra que é termo de Santiago do Cacém e era filho de Domingos Nunes e de Sebastiana Delgada. Curiosamente ao ler este assento de baptismo nada faria supor a sua condição de escravo. Por razões que desconheço estabelece-se em Vale de Santiago e é lá que casa, tem filhos e morre. Este livro de Vale de Santiago está a desfazer-se. Na prática o topo do livro já não existe o que torna a pesquisa exaustiva impossível uma vez que basta o assento que nos interessa estar no topo para estar perdido para sempre. Teve um filho chamado José que foi baptizado em 19/03/1737 e só depois casa com a 1º mulher Laurência Maria filha de Amaro Jorge. E foi ao encontrar este casamento que fico a saber que é escravo de António Miranda. Tenho muita pena de não ter fotocópia do assento para poder colocar aqui mas com o livro a desfazer-se não fazem cópias...Volta a casar em data que desconheço, já viúvo, com Luísa Jorge. Será irmã da 1ª? Esta segunda mulher morre em 1739 poucos meses depois da filha Maria morrer também. Como não há duas sem três o dono dele também se apaga em Outubro de 1739 e deixa de constar nos registos do Manuel a menção de escravo. Será que foi alforriado com a morte do dono? Esquecimento ou desconhecimento do padre desta sua condição não será uma vez que o padre Manuel Fragoso Rodeia se mantém até ao fim desta história como o signatário de todos os registos da vida desde meu avô. Em 1740 casa pela 3º e última vez com Bárbara Guerreira e são os descendentes deste matrimónio que mais tarde se vão cruzar com os Jorges e depois com os Malveiros. Tem pelo menos mais 3 filhos e eu descendo da filha póstuma Francisca Bárbara que nasce no inicio de 1753 meses depois do pai ter morrido.Manuel Nunes morre em Agosto de 1752 e o padre de sempre refere que estava sem fala. Terá tido um AVC?

Ter um antepassado escravo é uma realidade comum a quase todos os portugueses e assim, fatal como o destino lá encontrei o antepassado escravo que me faltava. No entanto tenho que reconhecer que quando li pela primeira vez "Manuel Nunes, escravo de..." senti um aperto no estômago e uma sensação de desconforto. Como se de repente toda esta questão da escravatura se tornasse mais real ainda. Pode parecer meio místico e very much unlike me mas tenho dias em que os meus antepassados com as suas histórias de vida e as suas tribulações estão mais presentes do que os meus parentes vivos. :)

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