Quiet Quitting no Século XVIII ou a Frustração de um Padre com os Registos Paroquiais

No mundo pós-pandemia, o conceito de "quiet quitting" tem sido amplamente debatido. Muitas pessoas passaram a limitar o seu esforço no trabalho ao estritamente necessário, evitando tarefas extra ou preocupações que não lhes são devidamente reconhecidas. Mas será este um fenómeno moderno? Parece que não! Recentemente, ao pesquisar em livros paroquiais antigos, encontrei um exemplo surpreendente dessa mesma atitude – só que em 1748.


https://digitarq.adbja.arquivos.pt/viewer?id=1055788
TIF 65

O documento em questão é uma declaração do padre Timóteo Rodrigues da Costa, registada num livro de batismos de Odemira (São Salvador). Nela, o padre expressa a sua frustração por não conseguir elaborar registos precisos, devido à falta de colaboração da comunidade. Segundo ele, muitas vezes os pais forneciam informações erradas sobre os avós dos batizados – fosse por ignorância, fosse por malícia, para ocultar certos aspetos da família, com a agravante de não usarem sempre os mesmos cognomes. Além disso, queixavam-se quando ele tentava esclarecer os dados. Como resposta, ele decidiu simplificar o seu trabalho e deixar de insistir na perfeição dos registos:

"Portanto, determino fazer os assentos mais breves, daqui por diante, vista sua dificuldade, erros, enganos que há nos extensos, e queixas, que fazem disso."

(Odemira, 17 de março de 1748)

Ou seja, o padre percebeu que o seu esforço extra não era valorizado e, em vez de lutar contra isso, decidiu adotar uma abordagem mais minimalista. Isto não significa que ele abandonou as suas funções, mas sim que ajustou o nível de empenho ao reconhecimento (ou falta dele) por parte dos seus paroquianos.

Este testemunho é um lembrete fascinante de que certos comportamentos no trabalho não são exclusivos da era moderna. Genealogistas e historiadores que lidam com fontes primárias frequentemente encontram dificuldades semelhantes: erros, omissões e até informações deliberadamente falsas. O que este padre viveu no século XVIII ainda é um desafio para quem hoje tenta reconstruir a história das famílias. 

E porque posso sentir a sua dor, caro padre Timóteo, aqui do do século XXI, mando-lhe um abraço solidário – porque há coisas que nunca mudam!

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