Guilhabreu – 1634 ( O ano da morte de Simão Gonçalves e Catarina Pires e do nascimento do seu neto Jorge )

Em 1634, Portugal encontrava-se sob o domínio espanhol, que só terminaria em 1640, e vivia sob a sombra da Guerra dos Trinta Anos (1618–1648) que assolava a Europa. No reino, a Duquesa de Mântua assumia o cargo de vice-rainha, governando em nome de Filipe IV de Espanha.

No entanto, enquanto a Europa mergulhava em conflito, a vida na freguesia rural de São Martinho de Guilhabreu seguia o ritmo tranquilo dos nascimentos, casamentos e óbitos. A paróquia, com sua modesta população marcadamente agrícola, parece ser, um microcosmo de paz marcado pela tradição e pela fé. Se quisermos romantizar a vida simples do século XVII poderemos dizer que esta paróquia, sob a tutela da Mitra da Sé do Porto e da Ordem de Cristo, seria um centro de devoção religiosa, onde a pequena comunidade, (seriam poucos os fregueses quando comparados com algumas das paróquias vizinhas muito mais povoadas), se reunia para celebrar a fé e buscar conforto em tempos incertos.

Seria pequena e pobre. Mas da pobreza só nos apercebemos quando cotejamos os registos de óbito. Dos sete fregueses que foram a enterrar em 1634, três são pobres e um quarto é mesmo um “pobre miserável”. Fazendo uma aritmética simples, apenas três dos que foram a enterrar não são considerados pobres, no entanto, atendendo ao número de padres que lhes fizeram os ofícios de presente, também não seriam ricos, seriam apenas remediados. Os mais prósperos seriam Bento João da Bouça e Maria Pires de Vargos que levaram dez padres, seguidos por Domingos que teve seis. Os pobres levavam quatro. 

Mas afinal o que era ser pobre em 1634? O que distinguia um “pobre” de um “remediado”? Qual a diferença entre um “pobre” e um “pobre miserável”? O que significava? Porque só na morte encontramos esta referência tão crua? Porque só na morte se certifica esta pobreza? Não será uma interpretação demasiado simplista feita pelos padres da época? Significará que a única maneira de se saber, com certeza, se alguém é pobre é esperar para ver se ela deixa alguma herança? E, mais importante ainda, se deixa dinheiro à Igreja para que se possam fazer as costumeiras missas de ofício presente, de mês e de ano?

Terão sido mesmo pobres e morrido pobres estas pessoas? É importante levar em consideração o contexto em que a expressão é utilizada e as diferentes perspetivas sobre a riqueza, a pobreza e a morte. Seriam seguramente todos pobres pelos nossos padrões atuais.

Ser pobre em Portugal no ano de 1634 era uma realidade dura e complexa, marcada por privações materiais, escassez de recursos e incertezas. Manifestava-se, nesses anos, como ainda hoje em dia pela fome/desnutrição, doenças, analfabetismo, habitação precária e insegurança social. A pobreza exteriorizava-se de diversas formas, afetando diferentes grupos sociais, fundamentalmente camponeses, trabalhadores urbanos e acima de tudo os grupos marginalizados como os mendigos, prostitutas e órfãos ou pessoas com deficiência. Seriam estes últimos os “pobres miseráveis”?

Mas vamos ao que interessa, quando Simão Gonçalves e Catarina Pires morrem, quase em simultâneo, ele morre a 18 e ela a 22 de novembro de 1634, o padre averba nos respetivos termos de óbito a palavra “Pobre”. 


Nunca suspeitei que fossem pobres quando encontrei diversos registos paroquiais em que eram mencionados. Pensei que seriam como muitos outros, eu incluída, apenas gente remediada.

Estes meus antepassados viveram em Guilhabreu toda a sua vida, por lá terão nascido, por volta do ano de 1570 e casado, ainda durante esse mesmo século XVI, seguramente antes de 1597, data em que nasce o primeiro filho, António. Tiveram depois Domingos, Catarina, Domingas e Maria. 

Sabe-se então, pela leitura dos paroquiais que tiveram vários filhos e filhas, alguns com geração, casaram os filhos, tiveram netos, apadrinharam recém-nascidos, testemunharam casamentos e acabaram por morrer com cerca de 60 anos, longevidade nada má para a época.

Nesse ano de 1634, em São Martinho de Guilhabreu, para além dos sete fregueses que foram a enterrar, já referidos, foram batizados onze recém-nascidos e receberam-se em matrimónio seis casais e, por estes números, que são normais para esta paróquia em anos anteriores e posteriores, já se vê que era uma freguesia pequena.

Um dos batizados nesse ano, a 24 de maio de 1634, foi Jorge, que nasceu a 20 desse mês, filho natural de Jorge Francisco e de Maria, solteira, filha de Simão Gonçalves. Foi madrinha Domingas, uma outra filha solteira de Simão Gonçalves.

É também em 1634 que casam, já depois de serem pais, a 12 de julho, tendo sido dispensados por serem parentes em 3º e 4º graus de consanguinidade. Não é de estranhar esta proximidade de sangue pois em outros diferentes registos a família dela e a dele se revezaram nos eventos de uns e outros. Exemplo disto é o casamento, em 1627, de Catarina, filha de Simão, cujas testemunhas são Jorge Francisco e Domingos Manuel, avôs do noivo atrás referido, outro Jorge Francisco, respetivamente pelo lado paterno e materno. Agora perdi-me um bocadinho…

Resumindo, Simão e Catarina tiveram mais um neto antes de morrer, Jorge, e é este bebé que os perpetuou em mim até hoje. 

Afinal, pobres, mas afortunados.


Fontes:

PT-ADPRT-PRQ-PVCD11-003-0001_m0962_óbitos

PT-ADPRT-PRQ-PVCD11-001-0001_m0859_Baptismo Jorge



Comentários

Mensagens populares