As lágrimas do meu avô Manuel

Foto: Avó Ana e avô Manuel cerca de 1927

O meu avô Manuel, o pai da minha mãe, faleceu muito novo, tinha a minha mãe 2 anos. Todas as histórias que a minha mãe conta do pai não foram vividas por ela : ouviu-as da mãe ou da irmã mais velha que já tinha 16 anos quando o óbito ocorreu.

O meu avô morreu de acidente. De uma queda que deu que lhe provocou uma fractura craniana. Em 1938 não havia solução para estes casos, segundo parece. Tenho que pedir uma certidão de óbito mas cópia integral, a que tenho é apenas narrativa, para poder aprofundar a questão.


Uma das histórias que a minha mãe gosta de contar está relacionada com a Procissão do Corpo de Deus no Funchal a que toda a família assistia. Nessa procissão participavam as diferentes instituições religiosas da cidade, entre elas as que tinham a seu cargo as crianças e jovens órfãos. O meu avô ao vê-los, aos órfãos, chorava copiosamente, soluçava, enquanto balbuciava "pobrezinhos, tanta criança sem pai nem mãe". Na prática chorava ruidosamente durante toda a procissão. Esta era uma situação que muito incomodava a minha avó, era digamos assim o seu vexame anual que, suportava estoicamente até porque o casamento deles foi um daqueles raros enlaces em que os cônjuges eram mesmos felizes. Pelo menos na versão da minha avó e eu acredito que sim.


Hoje passei o dia com um monte de processos de menores em risco que aguardam a definição do seu projecto de vida, aguardam por tudo no fundo. E foi essa a razão porque a minha mãe e eu recordámos esta história que se conta do meu avô. Percebi, porque vi o "desenvolvimento" dos processos e a sua insustentável morosidade, que a grande tragédia não foi o que este miúdos viveram enquanto estiveram com família que os negligenciava e mal tratava, o que é devastador é ver os anos passar e nada mudar na situação dos menores que crescem numa instituição qualquer à espera... e se tornam maiores e de repente já não há nada a fazer. Por isso compreendo que muitos defendam que seria benéfico voltar a criar as Rodas de Expostos: é mais justo para a criança abandonada que assim se vê livre de toda a parentela biológica que o Estado pretende encontrar para ter a quem entregar o menor, atrasando um possível processo de adopção.

Se fosse pessoa de chorar, seria esta a altura certa para juntar as minhas lágrimas às lágrimas do meu avô.

Comentários

Anónimo disse…
Tu matas qq um com estas marrativas. Gostei muito de ler. Beij
Anónimo disse…
Gostei muito do «choradinho» que acabo de ler, pois dele não tinha
conhecimento ou, se o tinha, não guardei no meu baú de recordações,
tantas foram as memórias que a avó Aninhas contava.
Quanto aos processos que te passam pelas mãos, infelizmente nada se
pode fazer sem vontade política e como as crianças não se organizam
para reclamar, seja do que for e também não votam, só a caridade e
nalguns casos a indignação pública lhes pode valer.
É a trampa do país que temos e somos, onde os políticos se pavoneiam
diariamente em lugares e cargos eleitos por todos nós que só serve
para lhes dar posição social e quanto ao resto que se lixe, só que o
lixe é com um f bastante grande, entendes?
De nada vale a nossa indignação. Isto só vai com uma intervenção de fundo.
E mais nada.
Cheguei à triste conclusão que isto não vai sem ser a ferro e fogo.
Lamentavelmente.
Beijinhos para toda a famelga e, para Vossa Excelência, Senhora Dona
Duquesa de Pombal, os meus mais respeitosos pontapés no rabo.
rsrsrsrsrs

Tinha que ser eu mesmo...
E a nossa camone já disse alguma coisa?

Rui Brazão

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